Aspectos do capitalismo sob o fascismo alemão
Publicado originalmente como «DELIRIJUM ‘’ANTIKAPITALIZMA’’ U NACIZMU», de Maja Solar e Ivan Radenković, na revista ‘STVAR: časopis za teorijske prakse’, n°8
«Para usar a figura pitoresca de Radek, a ditadura fascista é o arco de ferro com o qual a burguesia tenta consertar o barril quebrado do capitalismo. Aqui, porém, um esclarecimento se faz necessário: o "barril", ao contrário do que muitos acreditam, não foi quebrado pela ação revolucionária da classe trabalhadora; o fascismo não é a "resposta da burguesia a um ataque do proletariado", mas sim "uma expressão da decadência da economia capitalista". O barril se desfez por conta própria.» Daniel Guerín, ‘Fascism and big business’
--Introdução--
«No campo econômico, nosso programa se opunha tanto ao marxismo quanto ao capitalismo. Nós imaginamos um novo equilíbrio baseado no feudalismo estatal (...) A reconstrução, como a imaginamos, só seria possível com base em uma nova ordem que restabelecesse a harmonia entre o capital e o trabalho, bem como entre o indivíduo e a comunidade» - Otto Strasser, ‘Hitler and I’
Otto Strasser, um dos irmãos Strasser a quem Nolte chama de "socialista" [Nolte 1990: 321], geralmente aparece na literatura como uma figura "anticapitalista" da ala esquerda do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores de Hitler (NSDAP). Ele foi consultor jurídico de uma grande empresa industrial alemã e, mais tarde, fundador e editor da editora Kampfverlag. Ele defendeu o "socialismo" e a nacionalização da indústria pesada. Este texto começa com uma citação de Strasser justamente porque os irmãos Strasser representavam o emblema da narrativa "anticapitalista" na Alemanha nazista. Como a conexão entre fascismo e socialismo continua sendo discutida até hoje, parece que não é supérfluo reconstruir a constelação histórica nazista e reexaminar seu chamado anticapitalismo. Surge a pergunta: que tipo de "anticapitalismo" é esse? Podemos falar de anticapitalismo no caso do nazismo alemão, ou esse uso direitista do vocabulário da esquerda tem alguma outra função?
O fascismo é, naturalmente, fundado no caminho capitalista e no capitalismo, mais precisamente no colapso do capitalismo, no período de sua crise. Se alguém pudesse falar de algum tipo de momento "anticapitalista" dentro do fascismo, esse momento desempenharia o papel da Aufhebung [sublação] de Hegel — no triplo significado de elevação, abolição e preservação. Superando a etapa anterior do capitalismo e respondendo à constelação de crises, o fascismo desenvolveu o capitalismo de tipo monopolista até seus limites últimos (destrutivos), acrescentando-lhe alguns momentos específicos relacionados à situação concreta do lugar dos Estados fascistas na cadeia imperial. Na Alemanha nazista, portanto, certamente não se tratava de anticapitalismo na direção do socialismo ou de alguma outra forma de sociedade mais igualitária. Uma certa transcendência do capitalismo na conjuntura nazista específica só pode ser pensada como (i) a abolição e transformação de alguns elementos do antigo tipo de capitalismo, (ii) a radicalização do novo tipo de capitalismo, (iii) sua fusão com certos elementos pré-capitalistas, e (iv) o uso de antigos e novos modos de exploração e tecnologias de poder em seu estabelecimento. Então, à pergunta que tantas vezes foi feita sobre se trata da nova ou da velha ordem, poderíamos responder que se trata de ambas. Sobre uma colagem de diferentes elementos cujo elo comum era certamente o capitalismo. Mas não devemos perder de vista o fato de que as aspirações "anticapitalistas" no discurso nazista muitas vezes iam em direção feudal, rumo à preservação de relações pessoais de dependência e privilégio.
Este texto pretende analisar a estrutura do nazismo em alguns momentos — sem, claro, pretender que a análise esteja completamente esgotada — e mostrar como ele não era anticapitalista. O texto se concentra na análise da economia do nazismo, nas teorias jurídicas que precederam e contribuíram para a versão nazista do direito e no aspecto ideológico do "anticapitalismo" no nazismo, com uma digressão especial sobre o papel do romantismo na ideologia nazista do "anticapitalismo". Essa separação metodológica não sustenta de modo algum um esquema simplificado de base e superestrutura, no sentido de que a parte econômica representaria a base material, e a parte jurídica e ideológica a superestrutura ideal. Todos esses momentos são partes de toda a prática material e todos eles têm uma carga de classe. As relações materiais econômicas, jurídicas e ideológicas na produção são simultaneamente materiais e determinadas por práticas normativas significativas...
Uma análise da economia do nazismo buscará mostrar como alguns elementos do sistema capitalista de produção passaram por certas transformações (e isso se aplica ao capitalismo em geral, não apenas à sua versão nazista). Entretanto, isso não significa que a transformação de certos elementos altere todo o sistema, pois o sistema sempre pode encontrar maneiras de incorporá-los a seu favor.
No caso da economia nazista, foi exatamente esse o caso. Tentaremos também mostrar como a rejeição nazista de teorias jurídicas anteriores não foi simplesmente uma rejeição e estabelecimento de um voluntarismo legal completo e de um estado de ilegalidade (incorporado na arbitrariedade e no fanatismo de um único indivíduo) [2], mas que há uma certa continuidade entre as teorias jurídicas anteriores que apoiavam o capitalismo e o direito nazista — especialmente quando se considera o casamento legal com os monopólios. E, finalmente, o texto mostrará que, no caso do "anticapitalismo" nazista, ele é essencialmente um ideólogo.
Dado que amplas camadas sociais, que sentiam as facas do capitalismo em suas costas esfoladas, tinham que ser conquistadas para o fascismo, era claro que era necessário prometer algo que fosse supostamente completamente diferente do capitalismo. A colcha de retalhos ideológica do "anticapitalismo" era majoritariamente antissemita. Na ideologia nazista, o capitalismo podre, na forma de comerciantes e financistas judeus sujos, era o culpado por tudo, mas presumia-se que havia um capitalismo bom e não judaico. Este estágio do bem e do mal, do capitalismo bom e ruim, também poderia mudar suas características, de modo que, em vez do significante "judeu", o significante "monopólio", "financeiro", "internacional", etc. poderia ser facilmente usado. Enquanto em outros países foram feitas tentativas de resolver a crise de acumulação de capital na forma de um suposto capitalismo com uma face humana (estado de bem-estar social), em estados fascistas (principalmente Alemanha, Itália e Japão) foram feitas tentativas de superar a crise estabelecendo um capitalismo com uma face desumana. Mas, como sabemos, não existe capitalismo bom ou ruim, mesmo quando a constelação capitalista é tal que permite certos alívios e concessões do lado trabalhista. As costas continuam sendo esfoladas, as contradições entre capital e trabalho continuam a se aprofundar. Nesse sentido, o estado de bem-estar social e o estado nazista não são duas formas civis de governo absolutamente diferentes, mas estão no mesmo lado do espectro, apenas em tons diferentes.
No caso do nazismo, certamente não podemos falar de um anticapitalismo programático, político, econômico, jurídico e ideológico que visasse fundamentalmente a superação do capitalismo na direção de uma sociedade igualitária, mas apenas da ideologia do "anticapitalismo" que, como parte da reação à crise de acumulação capitalista, teve sua função mobilizadora e ao mesmo tempo desacreditadora.
O discurso "anticapitalista" poderia ter sido uma promessa a todos aqueles que sentiam os efeitos da crise, mas ao mesmo tempo serviu para deslocar opositores na "luta contra o capitalismo". Para demonstrar isso, no texto analisaremos, por meio de aspectos econômicos, jurídicos e ideológicos, se e como o nazismo se estabeleceu historicamente como ''anticapitalismo'', e concluiremos que se tratou de um delírio ideológico que desempenhou um papel marginal na realidade do nazismo histórico.
--A economia fascista alemã no episódio de resgate d'um capitalismo fraturado--
Para entender o contexto capitalista da Alemanha entre guerras e sua posterior gradação econômica fascista, seria útil indicar certas transformações do capitalismo na fase monopolista. Diferentemente do estágio do capitalismo de livre comércio (economia laissez-faire), baseado principalmente no aspecto da circulação de mercadorias, a fase monopolista posterior do capitalismo, que se desenvolveu na segunda metade do século XIX e início do século XX, apresenta condições diferentes para a acumulação de capital.
O tipo anterior de capitalismo era essencialmente baseado na compulsão econômica da produção competitiva; a maximização do lucro era baseada na melhoria e no aprimoramento [3]. Esse tipo de capitalismo surge em condições de competição atomizada e irrestrita, é regulado pelo mecanismo econômico de oferta e demanda e tem um tom aventureiro. Ela está ancorada na ficção da sociedade como um agregado de conexões livres entre indivíduos que satisfazem seus próprios interesses e supostamente contribuem espontaneamente para o bem-estar geral – portanto, é a ideia de uma sociedade autorregulada. A autorregulamentação implica que toda a produção é destinada à venda no mercado (trabalho, terra e dinheiro), e o papel protecionista do Estado é visto como um obstáculo à sua livre formação. O tipo de capitalismo laissez-faire encontra seu ápice na escola político-econômica clássica (Smith, Ricardo...). O capitalismo monopolista, por outro lado, surge como resultado da concentração e centralização do capital e da racionalização do processo de produção. As contradições que ela gera não se pretende resolver num livre jogo entre produção e consumo, mas sim através de toda uma série de medidas e planos de restrições diferentes.
O segundo tipo de capitalismo é, portanto, baseado em restrições e prevenção, o que, claro, não significa que a concorrência tenha desaparecido e que não haja elemento de desenvolvimento (embora seja mais lento). No entanto, a concorrência está sendo restringida para evitar a redução de preços, e a produção está sendo limitada.
O estágio monopolista do capitalismo é diferente do estágio de livre concorrência do capitalismo, pois tem um menor grau de elasticidade e variabilidade na produção e, nesse sentido, é mais semelhante à fase mercantil da história do capitalismo. Na fase do laissez-faire, o capitalismo era aventureiro, incentivando a livre iniciativa, enquanto agora se fossilizou, focado em manobras mais relacionadas a restrições e prevenções. O capitalismo monopolista tem uma função de conservação; sua essência é preservar, não revolucionar. Manchester, o ponto focal da produção de algodão, é frequentemente considerada o emblema da fase de livre concorrência do capitalismo, enquanto na fase do capitalismo monopolista o foco muda para a indústria pesada e, mais tarde, para a eletroquímica. É claro que as diferentes fases históricas do capitalismo ainda são fases de um mesmo sistema de produção, que estruturalmente ainda é capitalista. E sua distinção com relação ao papel do protecionismo nunca é rígida e pura, porque não há fase do capitalismo que não se apoie em muletas estatais protecionistas.
No entanto, há características específicas que distinguem a fase monopolista do capitalismo. Mudanças técnicas na organização da produção permitiram enormes capacidades de produção. Elas foram amplamente marcadas pela introdução da correia transportadora, pelo uso da eletricidade e pela invenção do alto-forno. Está surgindo uma nova divisão do trabalho, ligada à organização serial das máquinas e da produção, segundo a qual todas as fases da produção estão intimamente ligadas. A produção é contínua, em massa, padronizada. Embora a unidade básica de produção seja a fábrica, o local típico é a linha de montagem, e os trabalhadores estão sujeitos a um ritmo de trabalho rigoroso. Assim, estágios sucessivos, que antes representavam operações de produção separadas e frouxamente conectadas, agora estão fortemente integrados. A produção não é mais interrompida, mas sim conectada.'' [Dobb 1961: 420]. Alguns teóricos interpretam esse caráter da produção como um elemento social, social (Sohn-Retel chega a chamá-lo de anticapitalista ou metacapitalista), porque a crescente conexão dos estágios de produção difere da produção anterior, mais individualizada e atomizada, baseada em unidades. A integração industrial moderna é, portanto, interpretada como um elemento capitalista atípico. É claro que este é apenas um elemento que não precisa mudar toda a estrutura de produção. O novo tipo de economia de gigantescas fábricas planejadas pode ser incorporado a uma economia socialista ou continuar a expandir a economia capitalista – mas de uma forma diferente da que ocorreu na fase laissez-faire do capitalismo.
Como o novo elemento na produção é organizado sob a bandeira da racionalização, uma das contradições da economia capitalista surge aqui: entre a produção racional e o mercado "irracional" e anárquico. O desenvolvimento das forças produtivas não é acompanhado por uma expansão do consumo e de investimentos lucrativos, então a produção é enorme, enquanto as oportunidades de consumo e investimento se tornaram muito menores. Esse excesso de produção em relação à capacidade de absorção e às possibilidades do mercado é um problema específico porque as empresas não têm outra alternativa a não ser produzir em plena capacidade ou interromper a produção. As perdas são enormes tanto no primeiro caso (se não houver mercado para os produtos) quanto no segundo caso (o fechamento completo de uma empresa na qual capital financeiro de bancos foi injetado).
Por um lado, portanto, há a organização da produção que exige planejamento e, por outro lado, há um mercado que é anárquico e no qual as flutuações da demanda não podem ser previstas com precisão. Mas, o elemento da chamada “socialização do trabalho” leva à produção forçada independentemente da demanda. Se não houver produção, os custos fixos não poderão ser cobertos e as obrigações de capital financeiro não poderão ser cumpridas. Nisso Sohn-Retel mostra vividamente como é a relação entre os chamados custos fixos (despesas gerais) e proporcionais (variáveis). Anteriormente, enquanto os capitalistas financiavam seus próprios custos de produção, os custos proporcionais eram os mais importantes na manufatura – um tipo de custo variável que cobre materiais para produção e salários, e que muda de acordo com o aumento ou diminuição do nível de emprego. Portanto, esses custos dependem do volume de produção e vendas.
Mas quando a produção fica estagnada, quando o capitalista não consegue mais financiar a produção e um empreendimento gigante sozinho (porque o tamanho do empreendimento excedeu os limites de seu capital), então os custos fixos começam a desempenhar um papel fundamental - aqueles que não dependem do grau de utilização da capacidade e do volume de produção ou vendas.
Os custos fixos consistem em custos de amortização, juros de empréstimos, custos de manutenção de investimentos, seguros, contribuições, aluguel e os aluguéis (que não variam mais com a produção) tornam-se parte dos custos fixos. No novo tipo de produção, preços e custos não são mais proporcionais, mas inversamente proporcionais. É justamente por isso que uma economia em que os custos fixos são muito altos não pode ser harmonizada por meio da relação entre produção e consumo, mas requer planejamento. Novas contradições entre a produção e o mercado estão mudando a situação econômica. A produção não é mais comparada ao mercado, mas o mercado está tentando se submeter aos ditames da produção. À medida que a produção em grandes empresas com instalações modernas foi racionalizada, o mercado, que de outra forma seria anárquico e "irracional", teria que ser harmonizado com a nova economia de produção e transformado em uma economia planejada. Caso contrário, a racionalidade da planta em colisão com o livre mercado torna toda a economia "irracional".
É claro que a racionalidade e o planejamento como elementos do capitalismo monopolista andam de mãos dadas com a propriedade privada dos meios de produção e, portanto, atendem aos interesses do capital e não do trabalho.
Neste contexto econômico, o papel do Estado é essencial. A forma monopolista do capitalismo requer um estado protecionista, porque somente com a ajuda do estado os lucros podem ser garantidos. Alguns dos poderes do estado na economia são: assumir setores básicos que não são lucrativos às custas do estado; tirar empresas capitalistas de dificuldades por meio da reprivatização de empresas nacionalizadas; a transferência de bens públicos ou empresas criadas com fundos públicos para fundos fiduciários; apoio direto ou indireto dado a empresas privadas (isenções fiscais, etc.); garantias explícitas de lucro do Estado (contratos públicos, obras públicas, regulação de preços, contratos que garantem lucro, cobertura de risco estatal, garantias de perdas) [Mandel 1970/II: 137-144]. Existem várias medidas e práticas de restrições econômicas: acordos sobre preços e produção, ou seja, políticas para manter preços e limitar a produção (sistemas de cotas de produção, que controlam a quantidade de produtos e impedem a produção arbitrária para um mercado liberalizado), políticas alfandegárias e monetárias estatais, práticas de fusões de empresas e associações comerciais, etc.
Assim, forma-se um casamento difícil de romper entre o Estado e o monopólio. Como afirma Dobb, citando uma edição pré-guerra do famoso periódico liberal The Economist, anteriormente o estado tinha o papel de um policial, a função de quem supervisiona e controla, que é o árbitro em conflitos, e agora o Estado tem o papel de Papai Noel [Dobb 1961: 392], portanto, sem os benefícios do Estado, a economia capitalista na fase de monopólio não pode funcionar.
É bastante claro que o papel do Estado no capitalismo é essencial, portanto é (para dizer o mínimo) estranho que, na teoria e na política, toda regulação estatal da produção seja identificada com uma medida socialista. Dado que muitos ainda sofrem de amnésia cínica em relação a essa confusão, parece que nunca é suficiente apontar a confusão teórica e política que surge dessa equiparação... Claro, essa confusão não é acidental e é um gesto político-ideológico pelo qual as teorias do totalitarismo tentam igualar o fascismo e o socialismo e, assim, desacreditar o socialismo. O próprio Nolte não está longe disso, porque seu extenso estudo pinta quase todo tipo de regulamentação, nacionalização ou mera conversa sobre abolição do capitalismo em cores socialistas. Para ele, Strasser não é apenas um socialista dentro das fileiras do nazismo, mas Mussolini e Hitler também são retratados como fascistas, cuja genética socialista quase nunca deixa de transparecer.
Portanto, quando perguntamos sobre regulamentação estatal, sobre nacionalização, sobre qualquer medida estatal de interferência na economia, a primeira pergunta que devemos fazer é se ela é realizada no interesse do trabalho ou no interesse do capital? Teorias cujo objetivo principal é igualar o fascismo e o socialismo baseiam-se na suposição de que há alguma base econômica comum para eles. Tanto o fascismo quanto o socialismo enfatizam a totalidade, a coletividade, o planejamento, a regulação... em vez de um mercado "livre" - individual, criativo, absolutamente irrestrito e irrestrito... No entanto, a regulação da produção pode ser realizada por diferentes meios e métodos, eles podem ser socialistas e capitalistas.
Embora o capitalismo adore histórias sobre liberdade, com o mito do livre comércio sendo o ápice dos ideais de amor à liberdade, a dinâmica do capitalismo nunca ocorreu de fato em absoluto distanciamento do Estado, especialmente no tipo apresentado de capitalismo monopolista. A intervenção estatal e a regulação da produção no capitalismo, isto é, de maneira capitalista, são algo completamente diferente da intervenção estatal e da regulação da produção no socialismo e de maneira socialista. Comparar toda regulamentação com o socialismo é uma confusão conceitual, porque mesmo que haja alguns elementos no capitalismo que se movam na direção da socialização, regulamentação, etc., isso não pode ser imediatamente equiparado banalmente ao socialismo! Por exemplo, quando a produção capitalista é “socializada” por meio de cartéis, associações de empreendedores, criação de capital social e similares, essa socialização (ou seja, a transformação de um capitalista em um conjunto associado de capitalistas) ocorre sob uma forma capitalista – e não elimina de forma alguma o conflito entre trabalho e capital, mas apenas encontra maneiras de lidar com a queda na taxa de lucro em certos períodos históricos do capitalismo. Portanto, a influência "socializadora" do capitalismo na produção tenta aliviar as feridas que ocorrem dentro do capitalismo — com remédios e curativos capitalistas — e apenas exacerba ainda mais as diferenças de classe e a exploração.
No contexto da economia monopolista – baixa utilização das capacidades de produção, aumento do fardo dos custos de não produção, investimentos deficientes e mais arriscados – a economia capitalista nazista também deve ser analisada. Já falamos de dois capítulos capitalistas: o capítulo da livre concorrência e o capítulo da primeira fase do capitalismo monopolista. A economia fascista alemã certamente se situa na periferia deste segundo capítulo, pois ele se situa na terceira fase, que, devido às crises e ao acirramento das contradições do sistema, poderíamos rotular como o capítulo da derrocada do capitalismo. Poderíamos argumentar que a solução da Alemanha para a crise e a resposta a esse colapso econômico foram anticapitalistas? Certamente que não:
A resposta nazista à constelação de crise é salvar e manter um capitalismo fragmentado. ‘‘O fascismo é um capitalismo quebrado’’ [Sohn-Rethel, em ‘‘O marxismo no mundo’’: 49] ... ‘‘um sistema sustentável de capitalismo disfuncional’’ [Sohn-Rethel 1987: 89]. Assim, na era de crise, colapso, declínio e rompimento das costuras do capitalismo monopolista, está sendo estabelecido um caso especificamente alemão para o resgate desse tipo de economia.
Quanto ao desenvolvimento capitalista da Alemanha, é preciso ter em mente que ele estava a todo vapor na segunda metade do século XIX. Após a primeira grande crise econômica daquele século (década de 1970), que também afetou a Alemanha, iniciou-se um período de retomada e crescimento da produção, além de concentração industrial e financeira.
O aumento da produção certamente exigiu mercados preferenciais para exportações e investimentos de capital e, até a Primeira Guerra Mundial, a Alemanha participou da corrida para colonizar partes ainda não desenvolvidas do mundo e foi um participante sério — embora as cartas-chave já tivessem sido distribuídas. Após o Tratado de Versalhes (um ponto sensível para grupos de direita na Alemanha), o país foi excluído dessa busca imperial por zonas de acumulação e perdeu mercados para seus produtos e investimentos. A concentração industrial e as associações monopolistas continuaram em ritmo acelerado, em alguns casos o controle monopolista era tão grande que representava quase 100% do controle (um exemplo é a indústria I.G.Farben, que no final da década de 1920 controlava quase 100% da produção nacional de corantes sintéticos).
Mas, no período entreguerras, ocorreu uma crise de valorização do capital (manutenção e aumento) na Alemanha. No final da década de 1920, após a nova Grande Depressão, e no início da década de 1930, após os nazistas chegarem ao poder, a situação econômica e fiscal piorou. O estado nazista, no entanto, estabelece um conjunto específico de medidas para implementar uma política econômica para salvar o capitalismo.
As medidas mais importantes da política econômica nazista foram: (i) a expansão territorial sistemática do estado e (ii) a organização de uma economia de guerra que dependia de ordens estatais de armamento [Dobb 1961: 435]. A primeira fase da acumulação capitalista é, portanto, o imperialismo, enquanto na segunda fase se estabelece uma economia de tipo militar, respondendo assim à baixa utilização das capacidades de produção. Por um lado, as oportunidades de investimento estão se expandindo em um novo tipo de imperialismo, que não investe mais em países subdesenvolvidos, mas em países vizinhos semidesenvolvidos (capitalistas ou pelo menos incipientemente capitalistas), tornando-os países satélites economicamente dependentes. Por outro lado, a área de demanda está se expandindo, mas não na esfera de bens de consumo, mas na esfera de bens para destruição (armas). Se o Estado quisesse resolver o problema do excesso de capacidade de produção na indústria de bens de consumo, os salários teriam que ser aumentados e uma política de pleno emprego teria que ser implementada (para aumentar o poder de compra da população) às custas dos lucros. Assim, a expansão da demanda na esfera de armamentos resolve o problema do excesso de capacidade de produção (especialmente na indústria pesada) e redistribui as despesas orçamentárias em favor dos lucros. A política de armas quase quadruplicou os investimentos em sete anos, mas a produção de bens de consumo não aumentou significativamente. Esse aspecto da política econômica nazista é resumido de forma impressionante pela famosa fórmula de Goering: "primeiro as armas, depois a manteiga" ("prvo puške pa onda puter", realizado na frase “Guns will make us powerful; butter will only make us fat”, de Goering).
O papel do protecionismo na economia nazista, bem como nas economias de bem-estar paralelas, é, portanto, o de uma fonte de acumulação de capital. A única questão é em que escala o Estado coloca o peso das medidas para a expansão da demanda e do investimento.
A intervenção do Estado na economia nazi incluía a cartelização forçada (legislada em 1933), que salvava a taxa de lucro dos sectores não monopolizados, e “vários decretos nazis, que fixavam preços (especialmente a disposição de 26 de novembro de 1836, disposição de 21 de novembro de 1938 sobre ordens públicas e a de 4 de setembro de 1939 sobre economia de guerra) previam, expressa ou implicitamente, um 'lucro razoável'.'' [Mandel 1970/II: 142]
Vejamos agora se a economia nazista era anticapitalista para os trabalhadores. E vamos prestar atenção a alguns dos momentos mais importantes do método de extração de mais-valia e fertilização do capital: a criação de mais-valia absoluta; terror contra a classe trabalhadora; encerramento de sindicatos e sua transformação em novas formas corporativas; introdução de representantes dos trabalhadores; redução dos salários reais; pouca ou nenhuma hora extra paga ou trabalho intensivo; a utilização de mão de obra auxiliar dos desempregados, que era uma obrigação imposta pelo serviço de trabalho, por uma quantia pouco maior do que a que recebiam como seguro-desemprego, e às vezes era paga em espécie; medidas da chamada prosperidade quantitativa (Mengenkonjunktur) através das quais não há rendimentos mais elevados, mas as pessoas sobrevivem com a ajuda de um maior número daqueles que contribuem para o orçamento familiar [Sohn-Rethel 1987: 91]; uso livre, ou seja, trabalho escravo, principalmente de população não alemã (judeus, poloneses, russos...) etc.
Son-Retel enfatiza particularmente o método de geração de mais-valia absoluta4 e vê esse método capitalista como uma certa regressão a uma forma primitiva de exploração. O aumento da mais-valia relativa foi alcançado pelo aumento da produtividade do trabalho na produção de alimentos, o que tornou os alimentos mais baratos, e o aumento dos padrões dos trabalhadores levou a um aumento da mais-valia. Mas, no caso da Alemanha e da Itália após a Primeira Guerra Mundial, numa situação em que a mais-valia relativa não podia ser alcançada e quando o capital não podia ser investido em outros países industrializados, a acumulação de capital foi possibilitada pela produção de mais-valia absoluta! Na Alemanha nazista, o número de horas de trabalho aumentou drasticamente, e a acumulação de capital baseada na produção de mais-valia absoluta, direcionada à produção de armas, era, do ponto de vista do capital financeiro, tão racional quanto a política comercial. A classe trabalhadora aterrorizada, portanto, certamente não poderia sentir nenhum efeito positivo do chamado anticapitalismo no nazismo. Pelo contrário, pode-se dizer que a exploração do trabalho sob o nazismo atingiu proporções épicas.
É claro que os nazistas não eram marionetes dos capitalistas financeiros que seguiam seu exemplo. As primeiras simplificações marxistas dogmáticas da compreensão do fascismo como mero agente do capital monopolista já foram amplamente discutidas na literatura. A questão se mostrou muito mais complexa e com muito mais tensão, fragmentação e diferenciação dentro dos diferentes grupos de poder. Reinhard Kienl mostrou que a aliança do executivo fascista com os grupos de poder econômico era uma aliança mais complicada, na qual o executivo fascista, no entanto, tinha independência parcial. Não é que essas fossem duas camadas rigorosamente separadas, elas se sobrepunham até certo ponto, mas não sem tensão e mais por razões oportunistas. Sohn Retel, por outro lado, mostrou como existiam divisões e tensões dentro de grupos monopolistas e como essas facções se distanciavam ou convergiam dependendo de seus interesses e métodos de acumulação de capital.
As tensões entre as indústrias pesada e eletroquímica também são importantes para explicar a conjuntura econômica nazista específica. Antes da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha estava se tornando uma grande potência industrial e se juntou a alguns dos maiores grupos de investimento, porque tinha capital suficiente para investir em países subdesenvolvidos. Mas depois da Primeira Guerra Mundial ele foi excluído do campo de competição. Isso afetou particularmente a indústria pesada, que após o Tratado de Versalhes perdeu fontes de matéria-prima de outros países e cujas exportações diminuíram significativamente. Portanto, o setor da indústria pesada estava mais interessado no método de extração absoluta de mais-valia. ‘‘É óbvio, por exemplo, que os donos de monopólios na indústria pesada (carvão - ferro - aço), devido à natureza especial da produção industrial pesada e à condição técnica de suas fábricas, estavam mais interessados em estender a jornada de trabalho, em baixos salários e na abolição de benefícios sociais do que os mestres de novos ramos industriais (eletroquímica), que poderiam aumentar mais facilmente os lucros intensificando e racionalizando o trabalho e explorando o progresso técnico e científico. É por isso que os grandes industriais defenderam a abolição da jornada de trabalho de oito horas e dos acordos coletivos de trabalho, o não reconhecimento ou desmantelamento de sindicatos e o abandono de um estado democrático e socialmente civil com mais energia do que seus colegas de setores industriais mais jovens.'' [Wolfgang Ruge, em: ''Fascismo e Neofascismo'': 109] O primeiro plano de quatro anos na Alemanha nazista de 1934 estava essencialmente relacionado à indústria pesada de ferro e aço (Schacht/Krupp), enquanto o segundo plano de quatro anos de 1936 estava mais relacionado à I.G.Farben e à produção de materiais sintéticos (Göring).
No que diz respeito às medidas de nacionalização de empresas, recordemos mais uma vez: A nacionalização pode ser realizada em favor do capital ou em favor do trabalho (Nota de M. Heinrich que refuta “nacionalização em favor do trabalho”*). Na Alemanha entre guerras e em tempo de guerra, os setores que foram nacionalizados eram dominados pelo setor privado - os conselhos de administração e os conselhos gerais eram compostos principalmente por representantes do capital privado (por exemplo, no conselho geral formado em 1943).
Organizado por Speer, a fim de controlar toda a indústria, a maioria dos representantes vinha das fileiras dos grandes trusts); os trabalhadores não participavam democraticamente da gestão; Os setores nacionalizados claramente serviam aos interesses do governo burguês... No entanto, apesar das medidas nazistas para expandir a demanda estatal, houve muito pouca nacionalização de empresas privadas, assim como houve muito pouca invasão estatal na propriedade privada. Como Buheim e Scherner demonstram, apesar das medidas de regulamentação estatal, ainda há muito espaço para liberdade contratual e escolha entre pacotes de investimento, razão pela qual eles chamam essa economia de economia de propriedade privada dirigida pelo Estado [Buchheim, Scherner 2006, veja a tradução nesta edição da Things]. O "planejamento" estatal nazista baseava-se essencialmente na iniciativa e na competição de empreendedores privados, e a parceria entre o Estado e a indústria era vista, de qualquer forma, como um episódio temporário de guerra.
Portanto, à questão de saber se a economia nazista tinha elementos anticapitalistas ou era anticapitalista por excelência, podemos responder concluindo que foi uma economia que salvou um capitalismo fraturado e, nessa salvação, combinou métodos já existentes de acumulação de capital com novas e mais destrutivas formas de exploração, estreitando ainda mais a relação entre capital e trabalho. Se alguns elementos dentro da economia do capitalismo parecem contraditórios a ela, isso não significa que eles não possam se encaixar na estrutura capitalista. Mostramos que a interferência do Estado no campo econômico não pode ser pensada como um momento anticapitalista, pois é parte notória do inventário capitalista, principalmente na fase do monopolismo. Além disso, como o corporativismo tem suas raízes na Idade Média, isso também pode ser visto como um elemento não tipicamente capitalista. Mas, enquanto a forma corporativa do dirigismo estatal continuar a contradição capitalista entre os elementos de "socialização" na produção e o capital privado (e em favor deste último), e aprofunda o conflito entre capital e trabalho, frustrando qualquer possibilidade de resistência da classe trabalhadora, a economia nazista será uma economia capitalista exemplar. Em termos econômicos, portanto, o nazismo, na corrida por fontes de acumulação por meio de vários métodos de resgate do capitalismo fragmentado, provou ser um papa capitalista maior do que o próprio papa.
--Da lei a serviço dos príncipes à lei a serviço dos príncipes monopolistas--
Na esfera jurídica, o aspecto "anticapitalista" do nazismo representa um beco sem saída teórico. Se as teorias jurídicas da escola histórica alemã, a teoria do direito livre, o institucionalismo alemão ou o decisionismo pudessem ser consideradas alternativas jurídicas ao direito positivo liberal, então deveriam ser mostradas conexões na argumentação jurídica que levariam ao estabelecimento de uma estrutura jurídica para um sistema social que não seja capitalista. No entanto, mostraremos que tais conexões não existem e que as teorias jurídicas alemãs que levaram ao nazismo foram, na verdade, tentativas reacionárias de refutar o direito positivo racional que o liberalismo havia proclamado, mas cujo estabelecimento em um sentido puramente formal era impossível de implementar sem grandes inconsistências [5]. Também mostraremos que as mudanças “antiburguesas” na esfera jurídica durante o nazismo representam mudanças relacionadas à legitimação do status “legal” do monopólio, e que o direito sofreu deformações como resultado, mas não desvios excessivos de seu núcleo capitalista.
Nas mãos dos nazistas, o direito positivo liberal foi transformado em um instrumento muito poderoso e aterrorizante que garantiu a realização da democracia germânica, ou seja, a unidade infalível do Führer e da união estatal. Ao reduzir o direito à dimensão da fonte do direito, que se encontra na personalização política do Führer, privando-o assim da dimensão da racionalidade, já que o direito racional tende a limitar o poder absoluto, o direito durante o regime nazista foi privado da legalidade como tal. [Neumann 1996: 147] É claro que isso não significa que toda a constelação jurídica fosse completamente "irracional" e reduzida à vontade de um louco, porque alguns elementos racionais do direito positivo liberal foram funcionalmente aproveitados na reprodução e legitimação do nazismo.
A história jurídica da Alemanha, do século XIX até a chegada dos nazistas ao poder, diz muito sobre até que ponto a situação social geral do país refletia sua "inclusão" na estrutura capitalista burguesa. Assim como no nível econômico e político real, a Alemanha ficou atrás dos países capitalistas europeus já desenvolvidos, e no nível imaginário, elevou sua própria indisposição nacional a um nível civilizacional mais alto em relação às nações capitalistas já formadas, também no nível jurídico, esse atraso refletia o mesmo complexo nacional.
Nações capitalistas pioneiras como a Inglaterra e a França tiveram uma história bastante longa em matéria de direito natural, testando tanto as faces revolucionárias quanto as conservadoras do direito natural [6]. Por um lado, ele representava a base para uma teoria abstrata da liberdade e, em um sentido histórico, servia como uma ferramenta de guerra nas mãos da burguesia contra o absolutismo, enquanto, por outro lado, representava uma ferramenta de legitimação da soberania do Estado como uma fonte política do direito. A história natural-jurídica alemã serviu principalmente para legitimar o poder estatal absolutista.
Na Inglaterra, a referência ao direito natural já começou a enfraquecer desde o século XVII, uma vez que a burguesia passou a participar ativamente do governo desde então. Além disso, como a unidade do estado inglês havia sido garantida desde o reinado de Henrique VIII, justificar a causa do estado usando argumentos de direito natural não era necessário. Levando isso em conta, a indisposição política da Alemanha, devido à longa ausência de unificação nacional, significou consequentemente a ausência de condições estruturais para sua expansão econômica. Nem mesmo o processo de formação, primeiro da Confederação do Reno e depois da Confederação Germânica, nem o estabelecimento da Zollverein (União Aduaneira Alemã) conseguiram compensar a falta de um estado unificado.
No contexto do direito natural alemão dos séculos XVII e XVIII, a instância do poder estatal absoluto representa um ponto de referência para a apologia jurídica. O sistema de Pufendorf, assim como o sistema de Christian Wolff, representava uma expressão da legitimação do absolutismo do poder estatal. O próprio fato de o pensamento jurídico alemão não basear teorias de liberdades individuais no direito natural diz muito sobre o fetiche do poder estatal e a necessidade de deixar de lado toda a dimensão do direito de resistência, que de outra forma existe no direito natural, a fim de enfatizar a dimensão mais "original" do poder estatal soberano. A apologia jurídica do absolutismo estatal torna-se compreensível se levarmos em conta a ausência de um processo de democratização na sociedade.
E foram justamente os processos de “democratização” [7] em países capitalistas como a Inglaterra que secularizaram os elementos do direito natural, entre os quais o mais importante é o caráter formal e geral do direito. Porque a generalidade do direito, além de representar, ao menos formalmente, uma barreira ao poder absoluto pela separação de poderes, significa também despersonalização no sentido de instaurar uma subjetividade jurídica abstrata – mascarando, assim, desigualdades reais, embora essa generalidade abstrata estabeleça todos os sujeitos de direito como iguais perante a lei. Isso é melhor expresso na constelação econômico-contratual em que o capitalista e o trabalhador, um como proprietário dos meios de produção e o outro como proprietário de sua própria força de trabalho, são equiparados como se fossem dois atores completamente iguais e livres, com oportunidades iguais na esfera econômica.
O Burgentum (burguesia) alemão representava uma forte força econômica e jurídica no início do século XIX, mas politicamente passiva. A burguesia queria conduzir seus assuntos privados de forma autônoma, sem se envolver em lutas políticas concretas. Para ela, a proteção legal dos interesses e liberdades econômicas era suficiente, o que no domínio jurídico resultou na separação das normas jurídicas do sistema político. Essa separação não apenas representou uma garantia de liberdade e estabilidade econômica para a burguesia alemã, mas também contribuiu significativamente para o estabelecimento da ciência jurídica alemã (Rechtswissenschaft), bem como do conceito de Estado de Direito (Rechtsstaat). A crítica de Kant ao direito natural [8] delineou uma direção metodológica estrita que exigia que a ciência jurídica abandonasse as especulações subjetivistas do direito natural para atingir seu núcleo metodologicamente puro e positivo. A ciência jurídica tinha que ser capaz de desenvolver a estrutura inerente de seu próprio objeto científico no sentido de construir um sistema rigoroso. Tais exigências têm apresentado muitos dilemas aos advogados alemães. Já que a ciência jurídica deve ser empírica e sistemática, como pensar a conexão entre o sistema e o empírico? Como pensar em uma norma jurídica positiva? Com o que preenchê-lo?
A escola histórica de direito alemã tentou responder a essas perguntas.
Contra a generalidade a-histórica e abstrata do direito positivo liberal, a escola histórica procurou estabelecer historicamente os elementos básicos da ciência jurídica. Entretanto, como mostraremos nos contornos principais, essa versão da abordagem "histórica" na verdade permaneceu na linha do direito a-histórico, abstrato-formal. O debate sobre a codificação da constituição alemã em 1814 dividiu, por um lado, os juristas que defendiam uma base racional do sistema jurídico (Feuerbach e Thibaud) e aqueles que, sob a liderança de Savigny, deram primazia à tradição e ao direito consuetudinário. O que estava em jogo era se a lei natural racional a-histórica ou o positivismo jurídico historicamente fundamentado prevaleceriam [9]. No entanto, deve-se ter em mente que a linha de Saviny sob o direito consuetudinário não significava o direito popular como uma prática social historicamente real. Ele entendia o direito consuetudinário como um fenômeno nacional-cultural cujos portadores, durante o desenvolvimento ideológico e evolutivo do direito consuetudinário, não eram mais as massas populares, mas os juristas acadêmicos. "A cultura não está mais associada à totalidade dos hábitos e costumes de um povo, mas representa as características de sua vida intelectual." [Reimann: 854] A força de trabalho interna do direito comum que atua silenciosamente através de gerações tornou-se, assim, um instrumento sublime da elite acadêmica, capaz de moldar a sociedade. A ênfase de Saviny em momentos elitistas criou confusão nas fileiras da escola histórica, causando divisões entre romanistas (elitistas) e germanistas (popularistas). Entretanto, ambas as escolas de pensamento abordaram a história como a história das ideias, e sua abordagem histórico-ideal terminou como qualquer abordagem histórico-ideal: no a-historicismo. Mas o que guiou essa elite acadêmica de juristas que, usando a história como ferramenta, queria encontrar os princípios mais profundos da ciência jurídica positiva? No caso dos romanistas, mais náuticos, orientou-se pela reabilitação do direito privado romano, essencialmente individualista e racionalmente formal. Seu conceito formal de lei era individualista porque a ênfase era colocada exclusivamente nas liberdades pessoais, não nas relações sociais nas quais o indivíduo se encontrava.
Assim, embora a escola jurídica histórica alemã tenha procurado se afastar do direito positivo liberal e de seu aspecto geral-formal, ocorreu exatamente o oposto. Seguindo a linha elitista de compreensão do direito consuetudinário de Saviny, os representantes dessa escola jurídica de fato retornaram ao núcleo jurídico geral-formal, embora envoltos em um manto quase histórico.
Portanto, uma base histórica era necessária para a proteção dos direitos e liberdades econômicas do Burgenland alemão. Por que? Uma das razões é que, para se afastarem do positivismo liberal, os juristas da escola histórica acreditavam que os fatos históricos positivos deveriam ser sistematicamente limpos de qualquer contingência, ou seja, que em seu encontro com a história, a ciência jurídica deveria ser capaz de destacar e reconhecer apenas aqueles conjuntos ideológicos não arbitrários que expressam os laços orgânicos da comunidade. Portanto, era necessário encontrar, ou melhor, construir, ordem na história.
Não houve acordo entre os juristas da escola histórica na seleção dessas unidades, do que se pode concluir apenas que a arbitrariedade, juntamente com as contingências históricas, permaneceu parte integrante do direito em geral. Portanto, a aspiração de construir ordem na história, moldando um sistema jurídico formalmente fechado e não contraditório, enfatizando a autonomia das liberdades contratuais (o limite da minha liberdade é a liberdade do outro), idealizando fontes históricas como expressões de ideias absolutas, ou seja, com sua real desistoricização e ênfase no direito privado, eles deram continuidade ao direito positivo liberal. A reconstrução histórica da ordem e sua seleção não significavam nada mais do que um liberalismo modificado.
Quando se trata da teoria liberal positiva-jurídica, devemos também analisar o que essa generalidade e abstração do direito positivo realmente significam. É claro que a própria teoria jurídica positiva tenta estabelecer o direito em si mesma e então aplicá-lo idealisticamente às relações sociais. Mas esse direito em si é uma expressão de relações sociais! O direito geral e formal pressupõe relações econômicas de troca de mercadorias na sociedade e regula as relações entre concorrentes aproximadamente iguais, cujas ações devem ser previsíveis e sujeitas a cálculos racionais. A formalidade e a generalidade existem para permitir a máxima mobilidade do capital, não para afirmar a pura idealidade de uma relação jurídica normativa separada das relações sociais. Assim, a categoria de sujeito de direito torna-se indissociável das relações de produção e das relações de troca. O poder que um sujeito adquire com base no direito subjetivo faz parte do mesmo mecanismo pelo qual o valor é atribuído aos produtos do trabalho. Nesse sentido, Pašukanis fala em complementar o fetichismo da mercadoria com o fetichismo jurídico porque "a lógica dos conceitos jurídicos corresponde à lógica das relações sociais da sociedade que produz bens". [Pašukanis 1958: 107] Paralelamente a isso, a forma jurídica do contrato influenciou significativamente o domínio das relações obrigacionais válidas no direito liberal. O contrato não apenas confirma a existência de liberdades econômicas dos indivíduos, mas também confirma a ilusão do isolamento dos proprietários privados, colocando-os em uma relação de troca de mercadorias. Entretanto, as liberdades econômicas no liberalismo não existem por si mesmas, mas por causa da instituição da propriedade privada, que em um determinado estágio do desenvolvimento econômico precisa de proteção legal. Mas essas liberdades, como outras liberdades em uma estrutura jurídica liberal, são exclusivamente negativas — liberdade como ausência de pressões externas também significa agir na direção de tudo que não é explicitamente proibido por lei. E isso também significa liberdade contratual na criação de cartéis, monopólios, trusts, etc. Essa liberdade negativa que caracteriza o direito liberal, baseada na generalidade e formalidade da lei, e no conteúdo material mínimo da norma jurídica, deixa, naturalmente, enorme margem para a tomada de decisões arbitrárias. Não existe então uma rachadura no próprio direito positivo liberal que abre espaço para o decisionismo?
À luz do sistema aparentemente formalmente completo, logicamente consistente e fechado do direito positivo, o poder judicial tem uma função puramente aplicativa, embora o direito positivo liberal separe formalmente o poder judicial do poder legislativo [10]. Porque a interpretação da lei pelo poder judicial poderia supostamente violar a formalidade abstrata das normas e, assim, levar à intervenção "desnecessária" do Estado nos direitos subjetivos de livre disposição da propriedade. Somente se for constatada uma violação da norma geral, o Estado poderá interferir nos direitos individuais. Neste sistema, os juízes não criam leis, mas apenas as explicam e aplicam – governo da lei e não dos homens.11 Portanto, a teoria jurídica liberal do Estado de Direito fala implicitamente da impossibilidade de qualquer mudança social fora do parlamento e do poder legislativo, ao mesmo tempo em que oculta fatores extraparlamentares que influenciam a criação de leis, bem como o fato de manter o status quo de classe. Assim, embora um juiz não possa interpretar arbitrariamente a lei, um capitalista ou seu representante no parlamento pode tomar decisões arbitrárias, usando disposições negativas dentro de normas legais que o favoreçam! Este aspecto conservador do Estado de direito aponta para contradições no cerne da ideologia “progressista” do liberalismo.
Portanto, tanto o direito positivo natural quanto o liberal têm suas características conservadoras e progressistas. Portanto, o lado conservador do direito positivo natural e liberal será de grande benefício para o direito nazista. Até mesmo um pensador antiliberal como Carl Schmitt recorrerá, em algum momento, a uma definição geral e formal de lei para argumentar em defesa da "prova" da ilegalidade da expropriação dos príncipes prussianos. Schmitt se referiu explicitamente à Constituição de Weimar, argumentando que o Reichstag só poderia aprovar leis gerais, questionando a legalidade de medidas individuais. Ele estabeleceu o credo liberal de igualdade perante a lei como vinculativo para o poder legislativo, no sentido de que a promulgação de leis que tratem situações iguais de maneira desigual deveria ser proibida. Todos são iguais perante a lei, por isso os príncipes prussianos permaneceram intocados. Portanto, o princípio abstrato da igualdade perante a lei está sujeito a uso político arbitrário. Neumann contrasta esse uso conservador dos princípios de Schmitt com um episódio historicamente anterior, no qual o teórico liberal Haenel apela sem sucesso à igualdade perante a lei, ao mesmo tempo em que protege a minoria polonesa que Bismarck expropria com sucesso. Fica claro até que ponto a necessidade abstrata da estrutura geral e formal da lei é na verdade arbitrária.
Entretanto, na fase monopolista do capitalismo, como vimos, a ênfase está nas limitações e determinações. Nesse sentido, uma estrutura jurídica geral e formal que permita um amplo campo de incerteza não é uma estrutura jurídica ideal para o capitalismo monopolista.
Para que as normas jurídicas sejam mais específicas, seu nível de generalidade deve ser menor — expresso por meio de cláusulas gerais, ordens, regulamentos, decretos e medidas individuais semelhantes. Portanto, a igualdade abstrata perante a lei aqui não pressupõe a unificação obrigatória da legislação, mas sim a conquista da "igualdade" para além das leis gerais e formais. A lei geral não é adequada para um sistema de organização econômica baseado no monopólio, uma vez que não pode regular monopólios, especialmente considerando que os monopólios violam o "jogo limpo" legal/de mercado de várias maneiras. Do fim da Primeira Guerra Mundial até a chegada dos nazistas ao poder, a legislação alemã aprovou diversas regulamentações que — apesar de criarem conflitos legais que quebravam a formalidade incontestável da lei — isentavam certos monopólios do arcabouço legal aplicável. Portanto, é justamente a multiplicidade de regulamentos, cláusulas e outras normas individuais, que podem estar em conflito entre si, que novamente abre espaço para arbitrariedade na decisão de qual regulamento será aplicado em uma situação específica. Mais uma vez, terreno ideal para o decisionismo! Por exemplo, por um decreto de emergência do Presidente do Reich em 1931, o Banco de Darmstadt foi isento das regulamentações de falência aplicáveis devido à sua insolvência causada por empréstimos monopolistas.
Portanto, a longo prazo, os interesses monopolistas não podem ser conciliados com o direito positivo. Portanto, depois de 1921, iniciou-se na Alemanha um processo de ressuscitação secreta da lei natural para fins contrarrevolucionários. Naquele ano, os juízes recuperaram o direito de interpretar e examinar a lei, e a Corte do Reich adotou a teoria de que o princípio da igualdade perante a lei obrigava constitucionalmente o parlamento a não aprovar leis "arbitrárias". A revisão e o exame de decisões judiciais estavam relacionados exclusivamente a questões de violação de propriedade, e a questão da mudança da constituição por meio de emendas também entrou na pauta. Era necessário abolir o normativismo positivista e a ideia de um sistema formalmente perfeito e fechado com base no qual os contratos sociais básicos de Weimar foram construídos, a fim de introduzir determinantes extralegais como "boa-fé", "confiança adequada" ou "bons costumes". Ao remover elementos racionais do direito, como pareceres jurídicos, o sistema de contratos, a calculabilidade do direito, e ao introduzir cláusulas e ordens gerais, os juízes receberam grande liberdade para definir os limites entre os atos de adjudicação e o exercício do poder, ou seja, entre as autoridades executivas judiciais e administrativas.
A escola liberal de direito contribuiu muito para esses processos. A proposição básica da qual os teóricos do direito livre procedem é que o direito é visto como um sistema logicamente incoerente. Como o sistema de direito positivo não pode ser fechado sem contradições internas e como estas levam a colisões no sistema jurídico, o judiciário deve ter um grande grau de autonomia na produção e aplicação do direito para eliminar as lacunas criadas pelo direito positivo.
Contudo, a livre apreciação judicial foi elevada ao nível de princípio de aplicação do direito, o que, na prática, fez com que o sistema de cláusulas gerais se tornasse um substituto do direito formal-racional. A questão das cláusulas gerais entra na esfera da mistificação jurídica, que é funcionalmente diferente da mistificação jurídica positiva. O que é a mistificação? Quando os interesses de grupos poderosos e organizados, que dominam todas as esferas da vida social, dirigem integralmente as ações do aparato estatal, então o poder legislativo recorre a cláusulas gerais. Contudo, mesmo nas cláusulas gerais, o lugar do fundamento místico da lei permanece tão arbitrário quanto nas normas formais-gerais.
Neumann e Kirchheimer ilustram isso com exemplos de lutas de trabalhadores que foram tratadas na legislação trabalhista alemã usando tais cláusulas. De acordo com a cláusula geral do artigo 826, as lutas dos trabalhadores não correspondiam aos “bons costumes” porque causavam danos aos donos do capital, e, portanto, o dano causado deveria ser indenizado. A greve vai contra o senso de ''boa ordem''. Além disso, a questão de saber se o trabalhador perde o direito ao salário se o proprietário do capital, por qualquer motivo, não puder empregar sua força de trabalho foi resolvida com referência ao Artigo 242, segundo o qual o devedor deve cumprir as obrigações de acordo com o princípio da "confiança". Em vez de se referir ao Artigo 615, que aborda diretamente esta questão, e segundo o qual o proprietário do capital é obrigado a fornecer salários independentemente do emprego real da força de trabalho, desde que o contrato de trabalho seja válido, o tribunal do Reich referiu-se à “confiança e segurança”. Em essência, as funções das cláusulas gerais no período anterior à chegada dos nazistas ao poder eram, devido à ideia constitucional de paridade ainda válida, voltadas para a "harmonização" da relação entre capital e trabalho. Para suprimir o princípio da paridade na gestão de empresas, a Corte do Reich desenvolveu princípios legais que transformaram conselhos empresariais previamente estabelecidos em "comunidades de trabalho e operação". Os proprietários foram separados dessa relação porque a responsabilidade pelo empreendimento foi transferida inteiramente para a classe trabalhadora. Se a "harmonia" da comunidade trabalhadora for obstruída por qualquer tipo de greve, o tribunal justificou o direito do proprietário do capital de não pagar salários devido à violação do vínculo orgânico e solidário de todos os trabalhadores da fábrica. Essa forma de solidariedade imposta não tem nada a ver com qualquer relação de solidariedade real.
Como sua exterioridade essencial corresponde ao tipo mecânico de solidariedade, que surge de uma relação técnico-instrumental e, em última análise, voluntarista com a lei, a violência jurídica a serviço da recomposição de classe da sociedade não ficou atrás da lei racional do capitalismo competitivo em nenhum sentido significativo.
Desejamos aqui sublinhar a continuidade estrutural entre alguns momentos do direito natural, da escola jurídica histórica, do direito positivo liberal, da escola jurídica livre e do direito nazista.
A Escola Livre de Direito preparou em grande parte o terreno para os predecessores imediatos do nazismo: os institucionalistas alemães. Criticando o racionalismo filosófico abstrato, que separa a natureza e a lei natural de qualquer apego a uma ordem transcendente, os institucionalistas argumentaram a favor da primazia objetiva da historicidade e da natureza empírica da lei. O racionalismo filosófico abstrato não apenas negligenciou as condições histórico-materiais objetivas que são seu pressuposto, mas também absolutizou o positivismo jurídico voluntarista, que trata a relação jurídica como surgindo e terminando com a relação contratual de duas ou mais vontades livres. O institucionalismo se propôs a mostrar que todos os conceitos de direito positivo são ultra-subjetivistas e moralistas, pois se contentam apenas em saber, a cada momento, quais situações são legítimas e conformes à lei e quais não o são, ou seja, em conhecer as regras de conduta, as medidas e sanções legais, mas que nada precisa ser conhecido sobre a função social que tal direito desempenha [Os Institucionalistas Franceses 1970: 35-41]. Os institucionalistas, portanto, complementaram a norma jurídica positiva com o conceito de instituição.
Ao fazê-lo, eles eliminaram a categoria de pessoa jurídica e a estrutura do direito positivo nela baseada, separando-a completamente do conceito de instituição, que tem precedência lógica, metodológica e histórica. Uma norma jurídica não representa mais uma ordem de um sujeito autoritário (o Estado) que obriga as ações de outros sujeitos. Também não há uma relação intersubjetiva entre sujeitos jurídicos. Trata-se de ver a relação jurídica entre os indivíduos como uma relação necessariamente mediada por um objeto que determina a ação jurídica das vontades livres — objeto que precede as vontades subjetivas. Uma instituição é, portanto, uma ideia objetiva que já existe na realidade e que os indivíduos encontram nela sob diversas formas. Possui caráter objetivo, atuando como força coesa da comunidade. A instituição, portanto, não surge exclusivamente no cérebro de indivíduos egoístas, porque de outra forma seria impossível compreender sua objetividade. Qualquer objeto, meta ou mercadoria que exija a cooperação de várias pessoas pode servir como princípio de uma instituição social. Contudo, o sistema jurídico também deve possuir uma qualidade adicional, ideal, a ideia do que é justo (quod justum) para a sociedade que produz normas jurídicas. É certo que o institucionalismo entendeu o que é justo para sociedades específicas de uma forma muito abstrata, como o que a sociedade simplesmente considera ser o bem comum. Embora os institucionalistas reconheçam que a forma do que é justo para uma comunidade depende de muitas contingências históricas, que ao longo do tempo se sedimentam na forma do direito consuetudinário, eles também acreditam que as sedimentações inconscientes dos valores metafísicos e transcendentais da comunidade são absolutamente necessárias para o sistema jurídico. Portanto, a insuficiência do direito positivo, com todos os seus elementos racionais, está associada ao desconhecimento dos valores espirituais e metafísicos integrados ao objeto do direito. Se esses valores não forem levados em conta, o objeto do direito se desintegra e toda a esfera do direito se reduz ao normativismo positivo dominado pelos direitos subjetivos. Assim, o institucionalismo vai além da divisão em direito privado e direito público, preconizando o chamado direito social ou direito comunitário autônomo. Isso introduz, além das decisões estaduais e judiciais, uma terceira fonte de direito: o direito comunitário autônomo.
Embora alguns elementos do institucionalismo possam ser tomados como uma crítica coerente ao direito positivo liberal, não podemos dizer, por isso, que esse tipo de direito é anticapitalista. Quanto mais cedo a instituição for separada das relações sociais de poder. Neumann, portanto, chama o institucionalismo de teoria jurídica da economia monopolista. Como na visão deles, um monopólio não pode ser uma questão de um indivíduo, um proprietário, uma entidade legal, mas sim uma instituição de monopólio. Assim, essa instituição está necessariamente fora do direito subjetivo e, quando o monopólio é eliminado do direito, seu poder de agir arbitrariamente nas esferas econômica, política e jurídica é ainda mais efetivo. Ao simplesmente inverter o direito subjetivo com o direito comunitário, o institucionalismo não quer falar sobre a dinâmica de classes da sociedade, por exemplo. sobre exploração econômica ou dominação político-ideológica. Além disso, o ponto-chave é que o direito positivo não estava sujeito à abolição pelo institucionalismo, mas sim à sua “suplementação” era necessária. E isso resultou na destruição inexplicável de todos os elementos racionais na prática jurídica.
Na aplicação da versão alemã do institucionalismo, podemos ver claramente a posição da classe trabalhadora. A comunidade motriz como ideia objetiva conecta proprietários de capital e trabalhadores não mais por um contrato de trabalho, mas por uma antiga aliança pessoal-legal germânica baseada em uma relação de lealdade entre líder e seguidor. Isso deve significar a confirmação da tese institucionalista segundo a qual a ideia de empresa consiste na realização da ideia de empresa — na afirmação tautológica da comunalidade. A partir disso, os institucionalistas tiraram a conclusão de que a ideia objetiva de comunalidade precede a ideia de lucro, com base no fato de que o lucro como uma meta externa não corresponde à essência da empresa (porque não garante a comunalidade e o bem-estar de todos na empresa), enquanto a comunalidade na realização da ideia de comunalidade é inerente à essência institucional da empresa [Ibid: 102-103]. No entanto, qual é o conteúdo dessa ideia e como a comunalidade é medida em empresas que funcionam dentro de estruturas monopolistas capitalistas realmente representa algo para o qual os institucionalistas não têm uma resposta.
Outra consequência importante do direito institucional diz respeito à propriedade, que passa do domínio do direito subjetivo para o domínio da instituição, unidade orgânica da comunidade social. Com isso, as pessoas jurídicas desapareceram definitivamente, assim como os proprietários. O grupo de entidades legais foi substituído por uma comunidade de camaradas do povo. Os proprietários foram substituídos por uma instituição. Essa transformação se torna compreensível se considerarmos a coerção estrutural que obriga os donos do capital ao anonimato, pois concentram enorme poder social. A máscara do proprietário, que absorve grande parte da riqueza social, teve que ser retirada da lei junto com seus portadores e substituída pelo conceito de comunidade econômica. Da mesma forma, o conceito de soberania estatal teve que ser removido e substituído pelo conceito de uma comunidade nacional que representaria a base da autoridade do Führer.
Portanto, independentemente de qualquer distanciamento nazista do direito natural, da escola jurídica histórica, do direito positivo liberal, da escola jurídica livre e do institucionalismo, fica claro que esses precursores jurídicos históricos já continham em si momentos dos quais o direito nazista se beneficiou muito. Se eles confiaram em (i) a liberdade de resistir à autoridade estatal, (ii) as fontes histórico-ideais de compreensão da comunidade nacional orgânica (Volkgeist), (iii) a generalidade e formalidade da lei cuja imprecisão permitiu a arbitrariedade, (iv) um conjunto de normas legais específicas cujas contradições permitiram a escolha arbitrária de aplicação, ou (v) o apagamento do proprietário como sujeito legal e seu reconhecimento como uma instituição, o que permitiu a ação arbitrária de grupos monopolistas - os nazistas foram capazes de radicalizar a solução legal decisionista e levá-la à perfeição. O decisionismo foi, portanto, praticado tanto como um decisionismo de direito quanto como um decisionismo de personalidade, ou melhor, da vontade do “Führer”, que extrai sua autoridade diretamente do fundamento místico do espírito da "comunidade".
--Fontes e referências--
[2] Sobre o fato de que a psicologização da política é geralmente problemática e que constitui uma característica essencial do fascismo e do autoritarismo populista, veja: ‘Rastko Močnik, Koliko fašizma?’, Arkzin, Zagreb 1998/1999, p. 88, 121, 126, 131(…)
[3] Para saber mais sobre esses termos e seu significado para a formação do estágio inicial do capitalismo, veja: Meisins Wood, Ellen (2002). ‘The Origin of Capitalism. A Longer View.’
[4] A mais-valia absoluta é um método de acumulação de capital através da extensão da jornada de trabalho. Esse método era mais típico do capitalismo inicial. Mais tarde, no início do século XX, as lutas dos trabalhadores conseguiram uma limitação legal da jornada de trabalho e sua redução para 8 horas. A mais-valia relativa, por outro lado, é alcançada pelo aumento da produtividade do trabalho – isto é, pela redução da parcela do tempo de trabalho necessária para produzir valor para auto-reprodução (o valor de tudo o que é necessário para a própria manutenção do trabalhador, e essas necessidades são socialmente determinadas). Portanto, o tempo de trabalho necessário para produzir valor para a sobrevivência do trabalhador é reduzido, e a parcela do tempo de trabalho que cria mais-valia é aumentada. Isto é conseguido de várias maneiras – através da intensificação do trabalho, do uso de novas máquinas, de métodos de trabalho mais racionais, de melhor divisão e organização do trabalho, etc.
[5] Impossível porque o capitalismo não é uma ordem racional que possa estabelecer um equilíbrio de longo prazo imune às crises e às forças contingentes da história. Nesse sentido, pode-se dizer que a vigência da normatividade geral e formal é apenas temporária, devendo ser suspensa e modificada em função das mudanças no âmbito econômico. Sobre as contradições do formalismo jurídico, que conduz a ciência jurídica ao esoterismo e ao misticismo, ver: Pashukanis, E. (1958).
[6] Veja mais sobre os diferentes usos políticos da “lei natural”: Neumann, Franz (1996). ‘The Rule of Law Under the Siege – Selected Essays’
[7] Usamos o termo democratização neste contexto condicionalmente, para contrastar as experiências da Inglaterra e da Alemanha. A burguesia inglesa defendia sua liberdade econômica politicamente por meio da participação ativa na criação de leis pelo Parlamento e, portanto, a teoria jurídica era democrático-constitucional. O Burgenland alemão, por outro lado, encontrou as leis de uma monarquia constitucional, que interpretou em favor da garantia de suas próprias liberdades econômicas.
[8] Segundo Kant, a lei da razão do direito natural baseava-se numa confusão metodológica porque misturava diferentes esferas: ética e direito, direito positivo e ideal, assim como observação e especulação. Kant separou todos esses elementos em princípio. Por exemplo, uma regra ética de conduta pode ser encontrada na exigência de “viver com dignidade”. Contudo, esta solicitação não tem a força jurídica objetiva que uma relação contratual contém. Além disso, a lei natural muitas vezes confundia padrões ideais e regras positivas, o que levava a uma confusão entre especulação e observação empírica. Segundo Kant, estabelecer padrões ideais era uma questão de filosofia jurídica e aplicação da razão pura, enquanto o conhecimento das regras sociais existentes era uma questão de experiência empírica que nunca poderia estabelecer o conhecimento das condições racionais de possibilidade de regras dadas.
[9] O positivismo jurídico da escola histórica equiparou o conceito liberal do positivo ao irracional (positivo a-histórico = irracional), enquanto considerava o conceito histórico do positivo como racional. Veja a crítica de Marx à escola histórica do direito, https://libcom.org/library/philosophico-manifesto-historical-school-law
[10] Segundo Montesquieu, o poder judicial representa apenas "a boca que proclama as palavras da lei, seres inanimados".
[11] A École de l'Exégèse na França influenciou o estabelecimento definitivo da interpretação dogmática do direito, que se tornou oficial a partir de 1830. Os juízes foram definitivamente privados da liberdade de criar leis por meio da interpretação. Além disso, em 1870, Frederico II da Prússia proibiu a interpretação e os comentários de leis que não estivessem de acordo com a letra e o espírito da lei.
Ver: Neumann, Franz, The Change in the Function of Law, p. 113-115